A doutrina da eterna geração do Filho tem passado por tempos difíceis. A maioria dos relatos entre os eruditos evangélicos e reformados parece ser que a doutrina é especulativa, um vestígio dos modos de pensamento helenístico aos quais os pais da era nicena estavam infelizmente endividados. Famosos teólogos como Calvino, Warfield e Van Til questionaram a tradicional linguagem do credo niceno e tentaram reformular a doutrina de uma forma que evitaria qualquer indício do Filho sendo derivado do Pai. 1
O motivo por trás desta reformulação pode parecer louvável. A doutrina da geração eterna tem sido questionada com o interesse de manter a absoluta igualdade ontológica do Filho com o Pai. Mas, ironicamente, foi a mesma preocupação que fez com que os pais da igreja tratassem da doutrina exaustivamente, em primeiro lugar. Hilário de Poitiers, comentando sobre o termo "consubstancial" (homoousion) no credo niceno, escreve:
O significado da palavra homoousion aqui não é que o Filho é produzido da natureza do Pai, a essência do Filho tendo nenhuma outra origem, e que ambos, então, possuem uma essência invariável? Assim como a essência do Filho não tem outra origem, nós podemos acreditar de forma correta que ambos são de uma essência, já que o Filho não poderia ser gerado de nenhuma substância que não a da natureza do Pai, que foi sua fonte. 2
Qual foi a base exegética desta doutrina patrística que a natureza do Filho é derivada do Pai? Os pais estavam corretos em seu manuseio das informações bíblicas? Como deveríamos conceitualizar esta geração eterna – com uma comunicação de essência, ou meramente de propriedades pessoais? E se esta doutrina é Escriturística, como nós a harmonizamos com a preocupação de Calvino de sustentar a asseidade do Filho? Estas são as perguntas que eu gostaria de examinar neste artigo.
Tradicionalmente, a doutrina da eterna geração do Filho foi suportada por um apelo a cinco textos Joaninos nos quais Cristo é identificado como monogenes (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1Jo 4:9). Já na Vulgata de Jerônimo, esta palavra foi entendida no sentido de "único gerado" (unigenitus), e a tradição se manteve na Versão Autorizada. Contudo, a maioria dos eruditos deste século rejeitam este entendimento e acreditam, ao invés disto, que a ideia por trás da palavra é mais próximo das ideias de “único” (RSV) ou "um e único" (NIV) 3. Um dos principais argumentos é que o sufixo -genes está relacionado com o verbo ginomai ao invés de gennao, assim adquirindo o significado de “categoria” ou “gênero”.
Infelizmente, este argumento requer uma leitura seletiva da evidência. Ele ignora a abundância de lexemes que possuem o sufixo -genes. Depois de procurar o Thesaurus Linguae Graecae no CD-ROM (uma abrangente coleção de toda literatura grega existente até o sexto século DC), minhas estimativas são que há aproximadamente 120 palavras assim no vocabulário grego. Destas, 30% não estão listadas no Liddell and Scott, mas neste dicionário as definições de 55% contém palavras como “nascido” e “produzido”. Por exemplo, neogenes é definido como "há pouco produzido", e theogenes, "nascido de Deus". Meros 11% envolvem significados relacionados a “tipo” (por exemplo, homogenes significa "do mesmo gênero"), enquanto que o resto dos usos possuem significados variados. A grande preponderância das evidências poderia indicar que monogenes na literatura Joanina poderia muito bem significar “único gerado”. Pelo menos, isto não poderia ser baseado em etimologia. 4
Se este significado é agora considerado uma viva possibilidade, então uma inspeção de alguns textos joaninos fará esta possibilidade ser mais provável. No primeiro texto monogenes é usado como um substantivo: "O Verbo se tornou carne e fez sua habitação entre nós. Nós temos visto sua glória, a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e verdade" (Jo 1:14). No segundo texto, eu sigo a variante textual encontrada no papiro Bodmer, datado de cerca de 200, e outros antigos manuscritos: "Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus unigênito, que está no seio do Pai, o fez conhecido" (v. 18). A NIV não entende o significado ("Deus Uno e Único... o fez conhecido"), pois não é o fato de que o Filho é o único Deus (como oposto a outro deus) mas o fato de que ele é gerado de Deus (e assim verdadeiramente Deus) que o habilita a fazer Deus conhecido. No balanço estas passagens provêm forte suporte para a interpretação de “unigênito”. 5
Suporte adicional pode ser organizado de 1 João 5:18, que, apesar de não usar a palavra, mostra que João ensinou que o Filho é gerado de Deus: "Nós sabemos que qualquer um nascido de Deus não continua a pecar; o que é nascido de Deus o mantém a salvo, e o mal não pode machucá-lo". Parece razoável supor que “o que é nascido de Deus” é o Filho de Deus. Alguns seguem a variante textual “se mantém” e vê isto como referindo ao crente. Contudo, isto levaria a uma declaração redundante. Parece que João está apontando para a similaridade entre duas filiações – a do crente e a de Cristo, Cristo, é claro, é o Filho por natureza, e nós somos filhos pela graça. Mas o ponto é que o Filho ontológico de Deus irá proteger os filhos adotivos de Deus do maligno. Apesar de ser perigoso valorizar tanto os diferentes tempos (aspectos) usados, a distinção pode ser sinalizada pelo fato de que o crente é ho gegennemenos de Deus (perfeito), enquanto Cristo é ho gennetheis (aoristo). Seja o que for, o fato do verbo gennao ser usado neste contexto pelo menos sugere a ideia de geração. Ele também adiciona credibilidade à tradicional etimologia de monogenes (mono + gennao) ao prover pelo menos um texto onde gennao é usado em referência à filiação de Cristo.
Alguns tem sentido que a interpretação do Novo Testamento do Salmo 2:7 ("Tu és meu Filho; hoje te gerei" – um texto prova tradicional) requer que a geração do Filho seja vista como ocorrendo no tempo – em sua ressurreição (cp. Atos 13:33; Hb 1:5; 5:5). Contudo, eu sugeriria que a geração histórica do Filho (na ressurreição) é organicamente relacionada a e, de fato, fundada sobre a geração eterna. Se nós tomarmos isto como uma suposição de que o Filho foi sempre o Filho mesmo antes de sua encarnação, então aquelas passagens que falam da ressurreição como o momento quando ele foi “designado (ou apontado) como o Filho de Deus em poder” (Rm 1:4) não pode ser usado a serviço de uma conclusão que contradiria a eternidade de sua filiação. Contudo, nem seria permissível meramente ignorar ou suprimi-los.
O que estas passagens significam, então? Minha solução sugerida é tomar nota da requisição de Cristo a seu Pai: "E agora me glorifique, Pai, em sua presença com a glória que eu tive contigo antes que o mundo fosse" (Jo 17:5). Há continuidade entre a primitiva, pré-encarnacional glória do Filho e sua redentora e histórica glória na ressurreição. O Filho foi levantado dos mortos e designado para ser o Filho de Deus em poder, porque ele era o Filho eterno de Deus. Assim, somente o Filho de Deus poderia de forma justa ser “gerado” no dia de sua ressurreição, ou seja, ser ungido como o rei Messiânico (2 Samuel 7:14 mostra que a “geração” do Salmo 2:7 não é uma geração ontológica mas um apontamento funcional para o reinado). A eterna geração do Filho é ontológica, enquanto que a geração histórica é historicamente redentora; mas a última é apropriada somente porque a primeira é uma realidade.
Tendo assim visto algumas informações bíblicas que nos compele a afirmar a eterna geração do Filho, vamos examinar mais cuidadosamente o que nós queremos dizer com isto. Primeiro, deve ser óbvio que nós estamos usando uma analogia da experiência humana para descrever algo sobre o eterno e imutável Deus. Claramente, então, a forma que um pai humano gera um filho difere significantemente da maneira na qual o Pai gera o Filho. Por um lado, na geração humana, há um tempo onde o filho não existe; mas no original divino do qual a geração humana é um pálido reflexo, nunca houve um tempo onde o Filho não existe (pace Ário). Além disto, a geração humana envolve uma mãe e um pai, enquanto que o Filho é gerado do Pai apenas. E uma geração humana de um pai é um ato voluntário e livre, enquanto que a filiação do Filho é um ato necessário e eterno. De outra forma, o Filho seria um ser contingente, mas nenhum ser contingente é divino. Atanásio escreveu:
Nem a geração do Filho é como a geração de um homem a partir de seus pais, envolvendo Sua existência depois do Pai. Ao contrário ele é o rebento de Deus, e já que Deus é eterno e Ele pertence a Deus como Filho, Ele existe por toda eternidade. É característico dos homens, por causa das imperfeições de sua natureza, de gerar no tempo; mas o rebento de Deus é eterno, Sua natureza sendo sempre perfeita. 6
Assim com todas estas vastas diferenças entre a geração humana e divina, onde reside o ponto de analogia? Assim como o pai humano comunica sua essência (humanidade) ao filho, assim o Pai comunica sua essência (divindade) ao Filho. Nas palavras de Turretin:
Como toda geração indica uma comunicação de essência da parte do gerador para o gerado (pelo qual o gerado se torna como o gerador e compartilha a mesma natureza que ele), assim esta maravilhosa geração é corretamente expressa como uma comunicação de essência do Pai (pela qual o Filho possui indivisivelmente a mesma essência que ele e é feito perfeito como ele). 7
Contudo, nem todos os teólogos reformados concordam com este ponto. Por exemplo Calvino argumentou, "Quem disser que o Filho tem recebido sua essência do Pai nega que ele tem ser de si mesmo"8. Assim, Calvino ensina que o Pai é a fonte da pessoa do Filho e não de sua divindade. O Filho é autotheos (Deus por si mesmo), ou seja, a essência divina do Filho não é derivada do Pai mas de si mesmo. Quais são alguns dos argumentos a favor desta visão? O principal argumento de Calvino é que Cristo, o Filho de Deus, se chamou pelo nome, "EU SOU". E já que aquele nome implica em auto-existência, a deidade do Filho deve ser de si mesmo. Hodge acha que "este argumento é conclusivo"9.
Mas ele é mesmo? Em João 8 (o locus classicus para o clamor de Jesus para aquele nome divino), nós lemos esta interessante declaração: "Assim Jesus disse, 'Quando vocês levantarem o Filho do Homem, então vocês saberão que EU SOU. E eu não faço nada de mim mesmo mas falo justamente o que o Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo; ele não me deixou sozinho, pois eu sempre faço o que o agrada'" (v. 28). Se a auto-existência e subordinação filial são incompatíveis, então por que Jesus parece expor “EU SOU” em termos dele ser ensinado, enviado e agradando a seu Pai? É claramente sua relação de dependência ao Pai que Cristo quer destacar.
Hodge adiciona outro argumento: derivação de essência não é um conceito essencial de filiação. Quando a Bíblia declara que a relação entre a primeira e a segunda pessoa da Trindade é de um Pai e um Filho, o ponto nesta analogia não é a comunicação de essência mas uma relação peculiar de afeto recíproco. Contudo, seria mais preciso dizer que ambos os aspectos (comunicação de essência e relação de amor) parecem estar envolvidos. Um exemplo do primeiro pode ser visto na bem conhecida passagem de João 10, onde Jesus faz a surpreendente declaração, “Eu e meu Pai somos um” (v. 30). Vários versos depois Jesus refaz sua declaração inicial em palavras diferentes: “Eu sou o Filho de Deus” (v. 36). Assim, o título “Filho de Deus” e a declaração “Eu e meu Pai somos um” parecem significar a mesma coisa. Há um elemento ontológico e não meramente social (ou relacional) na declaração de Cristo de ser o Filho de Deus.
Retornemos ao argumento de Calvino por um instante. Assumindo que ambos são verdadeiros, como nós harmonizamos a asseidade do Filho com a doutrina da geração eterna? Se o Filho é eternamente gerado pelo Pai, então ele é um ser derivado, dependente de outro para sua existência. Pareceria inescapável, então, que ele não é mais a se. Como vamos resolver este dilema?
Calvino tentou resolver o problema clamando – como vimos – que a eterna geração do Filho só significa uma comunicação da propriedade pessoal de Filiação, não uma comunicação de essência divina. Se a última fosse o caso, então, Calvino concluiu, a deidade de Cristo seria uma divindade derivada e daí não seria uma divindade verdadeira. Ao fazer a geração do Filho ser de uma propriedade pessoal ao invés de essencial, ele através disso procurou eliminar a ideia de deidade derivada. A preocupação de Calvino de afirmar o autotheotes (sua divindade de si mesmo) do Filho é assim nos interesses de manter sua completa igualdade ontológica com o Pai (homoousion).
Turretin concordou com Calvino que a verdadeira deidade de Cristo necessariamente dita que o Filho seja autotheos. Ainda Turretin ensinou também que a eterna geração do Filho envolveu uma comunicação de essência. Assim, a solução de Calvino não estava aberta para ele. Então Turretin resolveu o problema declarando que asseidade é propriamente atribuída à essência divina do Filho, não à sua pessoa. O Filho tem a essência divina de si mesmo como Deus mas não de si mesmo como Filho. A eterna geração do Filho envolve uma comunicação da essência divina para o Filho a partir do Pai, não a geração de uma nova essência. Como um resultado da essência divina do Filho, que flui da pessoa do Pai, não é derivado de outra essência e é então a se.
Apesar do Filho ser do Pai, apesar disto ele pode ser chamado Deus de si mesmo (autotheos), não com respeito à sua pessoa, mas essência; não relativamente como Filho (pois assim ele é do Pai), mas absolutamente como Deus na medida que ele tem a essência divina existindo de si mesmo e não dividido ou produzido de outra essência (mas não como tendo aquela essência de si mesmo)10.
Turretin continua apontando que esta geração não deve ser entendida como a essência divina gerando outra essência divina (pois isto envolveria triteísmo), mas como a pessoa do Pai gerando a pessoa do Filho de uma forma que envolve a comunicação de essência.
Eu quero argumentar que a solução de Turretin é melhor que a de Calvino, porque ela mantém a divindade completa e o autotheotes do Filho sem ter que desistir da doutrina chave da eterna geração. Pois a despeito da susceptibilidade daquela doutrina a ser mal entendida (como se ela implicasse que o Filho fosse um “deus” menor que o Pai na corrente de ser), ela realmente funciona como a chaveta da ortodoxia Trinitária. A lógica funcionando aqui é representada nas palavras de Robert Dabney:
Em uma palavra, a geração do Filho, e a processão do Espírito, apesar de misterioso, são corolários inevitáveis de dois fatos. A essência da Divindade é uma; as pessoas são três. Se estes são ambos verdadeiros, deve haver algum jeito, no qual a Divindade multiplica seus modos pessoais de subsistência, sem multiplicar sua substância. 11
Sem a noção de uma geração eterna para “multiplicar” a essência da Divindade, não substancialmente mas somente hipostaticamente, é impossível manter qualquer diferenciação de pessoas igualmente divinas dentro da única e indivisível substância da Divindade. (Admitidamente “multiplicar” é uma horrível escolha de palavra, mas eu não posso pensar em outra mais apropriada.)
Poderia parecer que a visão de Turretin envolve um paradoxo: a noção de uma deidade derivada. Apesar disto poder ser percebido como um problema para a visão mantida aqui, vários comentários podem ser feitos para ajudar aliviar a tensão. Primeiro, não esqueçamos que este é um paradoxo acolhido no próprio Credo Niceno. A divina essência do Filho é do Pai, como o Credo Niceno diz, “Deus de (ek) Deus”.
Segundo, tal linguagem é inevitável em qualquer sã doutrina da Trindade. Pois nós não mantemos que há três seres divinos, mas um Deus em três pessoas. Se nós formos argumentar que as três pessoas da Divindade cada um possui asseidade no sentido que cada tem sua própria essência divina independente dos outros dois, nós não estaríamos dedicados ao triteísmo? Se assim, então nós não podemos escapar da noção que estas três hipóstases devem estar relacionadas uma com outra de uma forma que envolve dependência e derivação. Mas então derivação é o oposto da asseidade. Por outro lado, nós devemos afirmar que cada das três pessoas possui a mesma essência divina, ou que cada destas pessoas subsiste na unidade da Divindade. E desde que a essência divina que todos os três compartilham deve ser não derivada (a se) se é verdadeiramente divina, nós somos então forçados a concluir que todas três hipóstases compartilham aquela qualidade de asseidade. Mas por outro lado, nós devemos evitar dizer que eles possuem a qualidade de asseidade independente dos outros. Do contrário nós estaremos declarando três, independentemente a se, seres divinos. Assim nós dizemos que eles participam da qualidade de asseidade, assim como eles participam em uma divina essência não divisa.
Mas o modo desta participação é a eterna geração para o Filho e o eterno sopro para o Espírito. Poderia parecer inevitável, então, declarar a noção paradoxal de uma pessoa divina cuja divindade derivada partilha da qualidade de ser não derivada! A divina essência do Filho não é de si mesmo, ainda que aquela essência não é de outra essência mas a do Pai, de tal forma que a essência do Filho é a se e do Pai ao mesmo tempo. Daí, o Filho deriva o atributo divino de não derivação (asseidade) do Pai! Poderia eu recordar que esta estranha linguagem é visivelmente similar ao ensino do próprio Jesus, “Assim como o Pai tem vida em si mesmo, assim Ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” (João 5:26). Lembre-se de meu apelo a João 8:28 contra o argumento de Calvino. Eu notei que a declaração "EU SOU" é encontrado em um contexto que enfatiza a submissão do Filho ao Pai. Novamente, então, nós vemos que não há um conflito final entre as duas ideias: é precisamente porque o Filho não faz e diz nada de sua própria iniciativa (por exemplo, porque ele é totalmente dependente de seu Pai) que ele pode clamar asseidade. O Filho é Deus-de-si-mesmo porque ele é o Unigênito Deus.
Note, contudo, que nós não temos uma contradição formal, porque derivar está sendo usado em dois sentidos diferentes. Quando nós afirmamos que o Filho é derivado, nós nos referimos à comunicação da essência divina do Pai para o Filho no ato da geração eterna. Quando nós negamos que o Filho é derivado, nós estamos dizendo que a essência divina possuída pelo Filho não é derivada de nenhuma outra essência fora de si mesma.
Esta é a solução de Turretin. Mesmo que sobre um sentimento residual de desconforto, eu não posso ver outra forma de reconciliar as duas doutrinas da eterna geração e o autotheotes do Filho que se mantém fiel ao ensino total das Escrituas sobre este assunto.
Se a visão de Calvino de que a geração do Filho envolvia somente a comunicação de propriedades pessoais está correta, então seria justo perguntar, “Quais são estas propriedades pessoais?” Ele certamente não seria capaz de utilizar a linguagem do Catecismo Maior de Westminster:: “É apropriado ao Pai gerar o Filho, e ao Filho ser gerado do Pai, e ao Espírito Santo proceder do Pai e do Filho de toda a eternidade” (WLC # 10). Mas se Calvino tentasse encontrar qualquer outra linguagem que distinguiria as três pessoas, ele iria além das Escrituras. Então, é necessário para nós afirmar que a geração do Filho e a processão do Espírito envolvem a comunicação da essência divina. O modo de comunicação (geração ou processão) é a única característica que é própria de cada pessoa. Em relação à difícil questão de o que constitui a diferença entre geração e processão, eu descansaria contente com a declaração de que geração é do Pai enquanto que a processão é do Pai e do Filho (filioque). Ir além disto é ir além das Escrituras.
Tendo examinado a justificação exegética e teológica da doutrina da eterna geração, nós retornamos ao pensamento com o qual começamos. Geração eterna, longe de prejudicar a igualdade ontológica do Filho com o Pai, na verdade provê seu embasamento lógico mais profundo. O Credo original de Nicéia (325) apela ao monogenes Joanino em suporte à consubstancialidade com o Pai:
E [eu creio] em um Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado do Pai como unigênito, ou seja, da substância (ousia) do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, consubstancial com o Pai…
A sentença chave aqui é “gerado do Pai como unigênito”. Está claro que monogenes é uma precisão além de definir gennethenta, que claramente implica que os moldadores do credo interpretaram o monogenes Joanino no sentido tradicional como derivando de gennao. 12 Mas, o que é mais, a ordem das palavras no Credo de Nicéia (que não é refletido na revisão de 381 no Concílio de Constantinopla) inegavelmente indica que os pais em Nicéia entenderam esta geração do Filho como envolvendo uma comunicação da essência divina, pois a própria cláusula diz, “ou seja, da ousia do Pai, Deus de Deus, etc”. Então, os pais de Nicéia parecem ter acreditado que o ensino bíblico a respeito da geração do Filho (como indicado pelo termo monogenes) era uma poderosa evidência que ele é homoousios com o Pai!
João 1:18, que fala de Cristo como o “Deus unigênito” amplamente suporta a posição Nicena de que o Filho sendo gerado do Pai demonstra sua coigualdade e consubstancialidade com o Pai. Note o contexto: “Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus unigênito, que está no seio do Pai, o fez conhecido”. Como o Verbo encarnado é capaz de fazer o Deus invisível conhecido? Por que ele é essencialmente Deus (cp. Jo 14:7). João expressa a identidade essencial e ontológica do Pai e do Filho ao chamar o Filho de “Deus Unigênito”.
De fato, poderia muito bem ser que o monogenes theos de João é a maior fonte textual da famosa cláusula homoousion. Hilário de Poitiers, apesar de escrever depois do Concílio, cita João 1:18 em defesa da terminologia Nicena:
E então Deus Unigênito (monogenes theos), contendo em si mesmo a forma e imagem do Deus invisível, em todas as coisas que são propriedades de Deus o Pai é igual a Ele pela virtude da plenitude da verdadeira Divindade em si mesmo. 13
Para concluir, a doutrina da eterna geração do Filho, entendida como envolvendo a comunicação da essência divina, não é somente a posição histórica da igreja, mas é uma doutrina bíblica essencial para uma formulação ortodoxa da doutrina da Trindade.
Notas
1. B. B. Warfield, "Calvin's Doctrine of the Trinity," em Calvino e Agostinho, ed. Samuel G. Craig (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1956), págs. 189-284. Cornelius Van Til, A Survey of Christian Epistemology (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, n.d.), p. 101. Van Til depende largamente da interpretação de Warfield de Calvino. Contudo, deve-se notar que a posição de Van Til é mais radical que a de Calvino.
2. Hilário de Poitiers, De Synodis 84.
3. Dale Moody defende a tradução da RSV de monogenes em "God's Only Son: The Translation of John 3:16 in the Revised Standard Version," Journal of Biblical Literature 72 (Dec. 1953) 213-19. Richard N. Longenecker defende a NIV em "The One and Only Son," em The NIV: The Making of a Contemporary Translation, ed. K. Barker (Grand Rapids: Zondervan, 1986), págs. 119-26.
4. Aqueles que usam considerações etimológicas para dar suporte à sua exegese revisionista faria bem de lembrar que argumentos de uso são muito mais relevantes que argumentos de etimologia. James Barr, The Semantics of Biblical Language (Oxford: Oxford University Press, 1961). Um estudo compreensivo do uso de monogenes dá suporte à tradução tradicional. John V. Dahms, "The Johannine Use of Monogenes Reconsidered," New Testament Studies 29 (1983) 222-32.
5. Para mais informações sobre as variantes textuais em João 1:18, veja Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, Second Edition (Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1994), págs. 169-70.
6. J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines, Fifth Edition (San Francisco: HarperCollins, 1978), p. 244.
7. Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. I (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1992), págs. 292-93.
8. Calvino, Institutas I.xiii.23.
9. Charles Hodge, Systematic Theology, vol. I (Grand Rapids: Eerdmans, 1993), p. 467.
10. Turretin, vol. I, p. 291.
11. Robert Dabney, Systematic Theology (Edinburgh: Banner of Truth, 1985), p. 209.
12. Uma precisão é uma palavra que define e interpreta mais outra palavra a qual está em aposição gramatical. Oskar Skarsaune, "A Neglected Detail in the Creed of Nicaea (325)," Vigiliae Christianae 41 (1987) 34-54.
13. Hilário de Poitiers, De Trinitate XII.24.
Comentários
Citando José:
É tarefa da teologia a análise e síntese do texto sagrado, sendo natural o surgimento de termos e conceitos. São estes termos e conceitos que definem o que é crido do que é erro. Portanto, não definir é um horror ainda maior, pois abre as portas para todo tipo de erro.
Att.
credo, que horror .
Trindade econômica e ontológica como apresentada por aqueles que não acreditam em uma geração eterna.
A bíblia, em nenhum momento nos apresenta uma geração na eternidade, e todas as passagens que falam de uma geração dizem respeito a encarnação do logos e não eternamente. A palavra monogenes no contexto em que João apresenta não aponta para uma geração ontológica da segunda pessoa, más sim para a geração da natureza humana do logos pelo Espírito Santo em Maria [Mt.1:20]; Monegenes significa Deus em carne. Assim como a morte do cordeiro foi determinada antes da fundação do mundo e manifestada no tempo para salvação do povo, assim também a filiação da segunda pessoa na divindade (1Cron.17:13,1Pe.1:20,Lc.1:35). Deus mudou ? Não! Isso fez parte do programa de redenção, assim como o logos recebeu o nome Jesus apenas após a encarnação (Mt.1:21). Vale lembrar que nenhuma profecia messiânica nos diz que Deus enviaria seu filho. É preciso lembrar também que os apóstolos se referiam a Jesus pelo modo como eles o conheceram, por isso as menções do "envio do filho". Isaías também nos diz que o ato do Pai dar o "filho unigênito", ocorreria após seu nascimento (Is..9:6) corroborando com Jo.3:16. Más a verdade é que acreditarmos em uma filiação encarnacional não é heresia de forma alguma, visto que em nada fere o que cremos por Trindade.
Trindade econômica e ontológica como apresentada por aqueles que não acreditam em uma geração eterna.
A bíblia, em nenhum momento nos apresenta uma geração na eternidade, e todas as passagens que falam de uma geração dizem respeito a encarnação do logos e não eternamente. A palavra monogenes no contexto em que João apresenta não aponta para uma geração ontológica da parte da segunda pessoa divina, más sim para a geração da natureza humana do logos pelo Espírito Santo em Maria [Mt.1:20]. Assim como a morte do cordeiro foi determinada antes da fundação do mundo e manifestada no tempo (Ap.13:8) para salvação do povo, assim também a filiação da segunda pessoa na divindade (1Cron.17:13). Deus mudou ? Não! Fez parte do programa de redenção, assim como o logos recebeu o nome Jesus apenas após a encarnação (Mt.1:21). Vale lembrar que nenhuma profecia messiânica nos diz que Deus enviaria seu filho. É preciso lembrar também que os apóstolos se referiam a Jesus pelo modo como eles o conheceram, por isso as menções do envio do filho. Isaías também nos diz que o ato do Pai dar o filho unigênito, ocorreria após seu nascimento (Is..9:6) corroborando com Jo.3:16. Más a verdade é que acreditarmos em uma filiação encarnacional não é heresia de forma alguma, visto que em nada fere o que cremos por Trindade.
Os irmãos me perdoem, é que não dá pra escrever sobre tudo de a só vez
Como os termos Filho e Pai apresentam uma relação dentro da Trindade que é imutável, sim, Eles sempre foram Pai e Filho.
Boa noite
Me surgiu um dúvida: Jesus sempre foi o Filho ou passou a ser o Filho depois que encarnou?
Um abraço
Luiz
O texto é de fato um resumo sobre a doutrina, que aborta tanto aspectos históricos como teológicos. Então há sim um esforço, assim como há esforço para escrever sobre todos os outros temas teológicos dentro do cristianismo.
É complicado falar que tal doutrina não possua nenhuma lógica quando nem ao menos se faz o contraste com a doutrina da criação do mundo ex nihilo, principalmente tendo em vista os motivos pelos quais os cristãos a defendem veementemente. Afinal de contas, se o mundo tivesse sido criado a partir de matéria preexistente, então o mundo seria eterno, uma propriedade exclusivamente divina. Mas se Jesus não foi criado ex nihilo, mas saiu do Pai, então ele é eterno, e por isto este tipo de conhecimento é exclusivamente cristão:
(Jo 17:8) porque lhes dei as palavras que me deste; e eles as receberam, e têm verdadeiramente conhecido que SAÍ DE TI, e creram que me enviaste.
Então, para um antigo, estas palavras indicavam eternidade. Como declarar falta de lógica na doutrina sem ao menos abordar isto?
Seria mais fácil concordar com o sacerdote Ário de Alexandria que argumentou que se o Filho foi gerado do Pai, então do Pai ele provinha; desse modo ele não era "tão" eterno quanto o Pai. Só o fato de ter sido "gerado" é amostra de que Jesus não era igual ao Pai.
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