Alexandre, patriarca da igreja de Alexandria de 312 a 327, é um dos maiores líderes cristãos de todo o tempo. Talvez tenha sido o maior responsável pela preservação da ortodoxia em relação à plena divindade de Jesus Cristo bem como à doutrina da Trindade, por ter se oposto aos ensinos de Ário e ter escolhido e preparado Atanásio não só como seu sucessor, mas também como o grande defensor do cristianismo nas décadas que se seguiram. Alexandre foi, de certa forma, eclipsado por esses dois outros grandes vultos, mas a sua importância deve ser ressaltada como fazemos na biografia a seguir:
Bispo de Alexandria de 312 a 327, desde o princípio lutou contra o cisma dos melecianos de Licópolis, que explodiu no tempo da perseguição da qual foi vítima seu predecessor, Pedro I de Alexandria (morto em 311). No tempo do primeiro concílio ecumênico de Niceia (325), este cisma tinha envolvido quase a metade das sedes episcopais que, juridicamente, dependiam de Alexandre, e padres e diáconos da própria Alexandria. O cânon 6 de Niceia reafirmou as prerrogativas da sede alexandrina sobre o Egito propriamente dito, sobre a Tebaida, a Líbia e a Pentápole. Mas não parece que depois a situação tenha mudado muito até a morte de Alexandre, em 17 de abril de 328. Neste contexto, ganhou campo a crise ariana. Com efeito, pelo ano 318, Alexandre encontrou-se frente à oposição de um partido ideológico, formado dentro de sua própria Igreja, através da obra de um dos seus padres mais influentes, Ário, a quem ele havia confiado a paróquia de Baucalis. Após um período de discussão e de encontros em clima de debates, o bispo reuniu um sínodo de cem bispos que, em 319, excomungou Ário junto com outros cinco padres, seis diáconos e dois bispos. A carta encíclica Henos sômatos, enviada por Alexandre “aos caros e veneradíssimos coliturgos da Igreja católica, que estão em todos os lugares”, posterior ao sínodo, reagiu contra a ingerência de Eusébio de Nicomédia e de outros bispos orientais na causa ariana. Estes tinham oferecido seu apoio aos excomungados de Alexandria. O próprio Ário refere o motivo do conflito na sua carta a Eusébio. Falando de Alexandre ele afirma “Ele nos pôs fora da cidade... porque não falamos igual a ele na declaração pública onde ele diz: Sempre Deus, sempre Filho. Igualmente Pai, igualmente Filho” (Optiz, Urkunde 1). É difícil perceber o motivo exato do escândalo de Ário. Alexandre sem dúvida inspirou-se na eternidade da geração divina do Filho e na sua unidade substancial, como mostra uma outra carta dogmática, enviada por ele a seu correspondente Alexandre de Tessalônica, em 324. Também é certo que Ário reagiu, confirmando plenamente as suas teses cristológicas, conhecidas particularmente através dos extratos de sua Thalia: um pequeno tratado por ele redigido na própria cidade de Alexandria, antes de seu exílio, e que marcou uma inovação literária e doutrinal no âmago do debate entre os partidos dos teólogos alexandrinos e no qual Alexandre interveio, formulando a sua doutrina do Filho de Deus. A originalidade excessiva das teses arianas não lhes concedeu crédito junto aos bispos orientais que, todavia, protegiam Ário. Mas Alexandre conseguiu fazer triunfar suas ideias no sínodo de Antioquia em 324 e, depois , no de Niceia, em 325. A fórmula de fé nicena oferecia detalhes suscetíveis de polêmica, antiarianos, que foram entendidos conforme a teologia de Alexandre, ainda que este não tenha jamais empregado a palavra homoousios. No decorrer deste debate doutrinal, que ocupou os últimos dez anos do seu episcopado, Alexandre encontrou um fiel e inteligente aliado na pessoa de um jovem diácono, seu futuro sucessor, Atanásio. Nos escritos deste, Contra os Arianos, se encontrará o essencial do ensinamento de Alexandre, sem que, no entanto, se chegue a inverter os papéis e atribuir ao diácono uma parte ativa na redação das cartas dogmáticas de Alexandre, como algumas vezes foi feito. Alguns textos manuscritos atribuem a Alexandre um sermão Sobre a alma e o corpo e sobre a paixão do Senhor, em tradução siríaca e copta. Mas a sua autenticidade é fortemente contestada, ou pelo menos parece duvidosa. Aí se encontram traços de uma homilia de Melitão de Sardes.
(Charles Kannengiesser in “Dicionário de Patrística e Antiguidades Cristãs”. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 68-69)
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