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O que é uma falácia ad hominem?

Escrito por  Edward Feser
Patsy and men

Como estudantes de lógica sabem, nem todo apelo à autoridade é um apelo falacioso à autoridade. Uma falácia é cometida somente quando a suposta autoridade a quem se apela na verdade não é especialista no assunto em questão ou pode-se razoavelmente supor que ela é menos do que objetiva. Daí se você acredita que PCs são melhores que Macs completamente baseado no que diz seu dentista tecnofóbico ou o vendedor local de PCs que possui um estoque grande para diminuir, você estaria cometendo uma falácia de apelo à autoridade – no primeiro caso porque seu dentista, apesar de ser um cara esperto, presumivelmente não tem muito conhecimento de computadores, no segundo caso porque enquanto o vendedor poderia ter tal conhecimento, há dúvida razoável sobre se ele está dando uma opinião imparcial. Mas se você acredita que PCs são melhores que Macs porque seu professor de ciências da computação diz isto, não haveria falácia, porque ele presumivelmente é especialista no assunto e não possui qualquer razão especial para te empurrar PCs (Isto não necessariamente significa que ele está correto, é claro; um argumento pode estar errado mesmo não sendo falacioso).

Igualmente, nem todo ataque ad hominem – um ataque “contra o homem” ou pessoa – envolve um ad hominemfalacioso. “Atacar o homem” pode ser completamente legítimo e algumas vezes necessário, mesmo em um contexto argumentativo, quando é precisamente o próprio homem que é o problema.

Atacar uma pessoa envolve uma falácia quando o que está em questão é se algum clamor que a pessoa está fazendo é verdadeiro ou algum argumento que ele está dando é convincente e onde o adversário (a) essencialmente ignora a questão do clamor ser verdadeiro ou o argumento que ele está dando ser convincente, ao invés disto atacando a pessoa (em cujo caso nós temos um tipo de falácia do arenque vermelho) ou (b) sugere explicitamente ou implicitamente que o clamor pode ser considerado falso ou o argumento rejeitado como não convincente com base em alguma irrelevante suposta falta por parte da pessoa que o faz (em cujo caso teríamos uma falácia de envenenamento do poço, ou talvez um tu quoque).

Então, suponha que você faça um argumento contra o “casamento igualitário” e alguém te responde ou te chamando de intolerante ou sugerindo que a única razão para você fazer tal argumento é por racionalizar algum preconceito motivado por religião. Aqui temos clássicos exemplos de falácias ad hominem. No primeiro caso a pessoa te respondendo está tentando mudar o tema – tentando fazer você e sua alegada intolerância o tema, onde o que está em questão é a consistência de seu argumento. No segundo caso, a pessoa não está mudando o tema – ele está endereçando a questão de se seu argumento é consistente – mas ele está no entanto apelando para uma consideração irrelevante para determinar sua consistência, já que se seu argumento é consistente ou não não tem nada a ver essencialmente com seus motivos para fazê-lo.

Contudo, se o que estiver em questão não é o clamor ou argumento de uma pessoa, mas ao invés disto exatamente algum aspecto da própria pessoa, não há falácia em chamar a atenção para seus defeitos e em alguns casos pode ser inteiramente apropriado fazer isto de forma polêmica.

Por exemplo, suponha que o que está em jogo é se certa pessoa é uma testemunha confiável ou uma fonte de informações imparcial, como em um tribunal. Então não há falácia de forma alguma em se mostrar que seus registros revelam que ele é um mentiroso compulsivo, ou que tem má memória ou má visão, ou estar bêbado no momento do evento que ele alega ter testemunhado, ou ter um interesse pessoal no resultado do caso. Estas são críticas ad hominem – críticas direcionadas “contra homem” - mas não há falácia envolvida, porque a credibilidade do próprio homem é precisamente o que está em questão.

Ou suponha que o que está em jogo é, novamente, não se um certo clamor é verdadeiro ou um certo argumento é coerente, mas ao invés disto se uma certa pessoa é racional, intelectualmente honesta, digna de se tentar ter um diálogo, etc. Por exemplo, suponha que alguém em uma caixa de comentários se mostra por seu padrão de comportamento ser um ignorante, um mal humorado, um troll, etc. – isto por fazer repetidamente declarações generalizadas, infundadas ou sem sentido, rejeitando ideias e argumentos que ele evidentemente nem mesmo entende ou livros que ele sequer se deu ao trabalho de ler, ou de fato cometendo ad hominem e outras falácias. Não há em tal caso nada errado em chamar tal pessoa de ignorante, mal humorado, troll, etc., e se negar a interagir com ele daí em diante. Este é certamente um ataque à pessoa, mas não é uma falácia. É apenas uma direta inferência dos fatos, um julgamento bem fundamentado sobre ele e seu comportamento, ao invés de uma resposta falaciosa a algum argumento que ele deu.

Ou suponha que alguém ganha reputação de especialista em algum tema importante de controvérsia pública quando de fato seus pontos de vista sobre o tema são risivelmente sem base e demonstravelmente mal informados. Suponha ainda que ele manifesta extrema arrogância e desprezo por aqueles que de fato são especialistas no tema, onde o fato de sua injustificada auto confidência só serve para reforçar, naqueles que não entendem do assunto, a falsa impressão de que ele deve estar sabendo do que está falando. Aqui também um ataque à própria pessoa é legítima precisamente porque o que está em questão é uma de suas qualidades pessoais, a saber, sua pretensão arrogante de ser especialista. De fato, ridicularização e outros métodos polêmicos podem ser ferramentas legítimas em tal ataque, já que a pretensão arrogante não pode efetivamente ser anulada de outra forma, e tratar o ofensor mais gentilmente poderia apenas reforçar a falsa impressão de que ele e seus pontos de vista são respeitáveis. Daí é, por exemplo, não apenas legítimo, mas em meu ponto de vista imperativo, não apenas refutar os sofismas de arrogantes sem originalidade como Richard Dawkins e Lawrence Krauss, mas administrar uma severa derrota retórica.

[Aqui eu devo divagar para endereçar uma possível reclamação. Algo chamado “tom de Feser” é o tema de ocasionais críticas, não apenas entre alguns de meus críticos secularistas, mas também por vários na blogosfera cristã. Mas não há um “tom de Feser” se por isto se deseja referir a algum modus operandi vituperativo meu. Algumas vezes meus escritos são polêmicos, normalmente não são. Eu escrevi cinco livros e editei outros dois. Exatamente um deles – The Last Superstition – é polêmico. É claro, alguns de meus artigos não acadêmicos e posts de blogs também são polêmicos. Mas esta é uma abordagem que eu sigo para uma certa categoria de oponentes, tipicamente com pessoas que elas mesmas têm sido polêmicas, assim meramente provando de forma bem merecida o gosto de seu próprio remédio. Reclamar disto é como reclamar sobre a policia que atira contra ladrões de banco em defesa. Eu enderecei a questão do porquê e sobre quais circunstâncias polêmicas são justificadas neste post e em outros que você encontrará linkados nele. Fim da divagação.]

Outro exemplo. O tu quoque é uma espécie de falácia ad hominem na qual um clamor é rejeitado meramente porque a pessoa que o faz não age de uma forma consistente com ele. Mas há casos onde o fato de que os atos da pessoa não são consistentes com o clamor que ele faz é claramente relevante para avaliar o clamor. Suponha, por exemplo, que alguém afirma que não é possível fazer afirmações. Esta é uma declaração auto contraditória e enquanto o valor provativo de identificar declarações auto contraditórias é uma questão de controvérsia filosófica, é legítimo pelo menos pensar se uma visão que gera tal contradição é coerente. Se alguém pode conduzir um certo curso de ação que ele recomenda a outros mas nem se dá ao trabalho de tentar para si mesmo – o bêbado que condena outros por beberem, por exemplo – isto por si mesmo obviamente não mostra que seu conselho não é um bom conselho. Mera hipocrisia não é de muito interesse epistemológico. Mas se há razão para pensar que alguém não poderia em princípio adotar certa política, então pelo menos é questionável se a política é uma boa política, ou reflete um treinamento coerente de pensamento.

Finalmente, há certos posicionamentos, muito divertidos, os quais não podem plausivelmente deixar de refletir algum grau de defeito moral na pessoa que os mantém. Pois caráter moral envolve, em parte, a posse de sensibilidade moralmente correta, e esta sensibilidade tende fazer a pessoa considerar certas ações inaceitáveis e indignas de consideração séria. Assim que uma pessoa que não as considera assim é evidência de sensibilidade defeituosa. Suponha, por exemplo, que alguém seriamente sugira que há bons argumentos para se defender a tortura de bebês “por diversão”. É difícil ver como alguém poderia sinceramente acreditar em tal coisa a menos que sua sensibilidade moral esteja profundamente corrompida (Se ele é culpado por esta corrupção é uma questão que eu deixo de lado como irrelevante para o presente assunto).

Note o que eu não estou dizendo. Eu não estou dizendo que “Você é uma má pessoa, então seu argumento é inválido!” é uma boa resposta. Não é uma boa resposta, ela seria uma falácia ad hominem. Se as práticas que uma pessoa está defendendo são realmente imorais, deve haver razões independentes, não estando relacionadas com seu caráter pessoal, que mostram que elas são assim.

Apesar disto, se elas são imorais e se o caráter moral é em parte uma questão de ter sensibilidade correta, então não há falácia em apontar isto. De fato, não apontar poderia em alguns casos ameaçar destruir a sensibilidade moral que prevalece em grande parte da sociedade, na medida que isto poderia fazer certas ações imorais parecerem respeitáveis ou defensíveis (Sobre mais deste assunto, veja minha discussão dos pontos de vista de Elizabeth Anscombe sobre o tema em um post anterior).

Há pelo menos cinco tipos de caso, então, em que a crítica “ao homem” pode ser legítima e certamente não falaciosa, mesmo quando o contexto mais amplo é um onde os argumentos estão sendo pesados: ao se determinar se o testemunho de alguém é confiável; ao se avaliar sua dignidade como parceiro de conversa filosófica; ao expor a fraudulência de sua reputação pública de especialista em alguma matéria; ao expor declarações auto contraditórias associadas com alguma posição filosófica e ao notar que a vontade de certa pessoa de adotar alguns pontos de vista como sérios é evidência de corrupção de sua sensibilidade moral. Nada disto mostra que os clamores ou argumentos de uma pessoa são em si derrotados meramente por chamar-se a atenção para seus defeitos morais. Supor que isto acontece seria falacioso. Mas aqueles que gritam “Ad hominem!” frequentemente não sabem o que é de fato uma falácia ad hominem.

Fonte: http://edwardfeser.blogspot.com.br/2013/04/what-is-ad-hominem-fallacy.html

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