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O estoicismo e a Igreja Cristã primitiva

Escrito por  G. T. Burke
Marcus Aurélio distribuindo pão ao povo

O estoicismo foi uma escola importante do pensamento helenístico. Os estoicos derivaram seu nome do Pórtico (stoa) Pintado, em Atenas, onde ensinava o fundador deles. Embora a escola, fundada por Zenão de Cício (335-263 a.C), continuasse a manter a sua sede em Atenas, no decurso da sua existência de mais de meio milênio, seus maiores pensadores e praticantes não procediam da Grécia continental.

Depois da morte de Zenão, Cleanto de Asso (331-232) assumiu a liderança da escola, mas parece ter feito pouco mais do que passar adiante os ensinos do seu mestre. O verdadeiro sistematizador da Stoa Primitiva foi o líder seguinte da escola, Crisipo de Soli (c. 280-207), que também expandiu o pensamento de Zenão.

A Stoa Média, que continuou a principal tradição estoica durante os últimos dois séculos antes de Cristo, introduziu alguns elementos platônicos, mas a contribuição de maior alcance foi feita por Panécio de Rodes (c. 185-110 a. C.), que estendeu os ensinos, de modo que pudessem ser aproveitados por aqueles que estavam na vida pública, e não apenas pelos filósofos. Por isso, a Stoa Posterior, dos dois séculos depois de Cristo, pode tornar-se predominantemente romana e concentrar-se quase inteiramente na ética. Destacam-se, neste período, Sêneca (c. 4 a.C. – 65 d.C.), Epicteto (c. 55 – c. 135) e Marco Aurélio (121-180 d.C.). Depois de Marco Aurélio, o estoicismo como uma escola distintiva caminhou paulatinamente para a extinção, mas algumas das suas características continuavam sendo assimiladas nas filosofias predominantemente platônicas tanto dos pagãos quanto dos cristãos.

A divisão tríplice do pensamento estoico na lógica, na física e na ética, segundo se declara, derivou do próprio Zenão. A lógica era o arcabouço que sustentava os dois outros ramos, e seus princípios de dedução só recentemente voltaram a ser apreciados, pois há muito tempo já tinham sido obscurecidos pelos princípios de Aristóteles. A física estoica, que incluía a teologia, tem sido descrita variadamente como monismo ou panteísmo. Deus é totalmente imanente no mundo, e isto leva a uma forte crença na providência (pronoia). O destino (heimarmenē) também desempenha um papel chave e está por trás da crença no caráter cíclico da ordem natural, em que cada ciclo é idêntico a todos os demais. A ética estoica ganhou seu destaque principal durante a Stoa Posterior, tanto nos desenvolvimentos teóricos quanto na prática. O homem torna-se virtuoso através do conhecimento, que o capacita a viver em harmonia com a natureza e, assim, conseguir um senso profundo de felicidade (eudaimonia) e a libertação da emoção (apatheia) que o isola das vicissitudes da vida.

A influência estoica nos escritores judaicos é vista principalmente em Filo que, como outros platonistas médios, tomou emprestados a terminologia e os conceitos estoicos. De interesse principal no Novo Testamento é a sensibilidade de Paulo diante da crença dos seus ouvintes estoicos na imanência divina, ao citar, no seu discurso no Areópago, o amigo de Zenão, Arato, para apoiar a doutrina (Atos 17:28).

Embora se possa detectar a influência estoica nos teólogos cristãos posteriores, são os platonistas médios cristãos do século II, tais como Justino e Clemente de Alexandria e os teólogos ocidentais como Minúcio Félix e Tertuliano, que revelam a maior dependência da Stoa. Em alguns dos seus escritos, as doutrinas da providência e da lei natural acham-se em formulações do tipo estoico. É provavelmente verdade, também, que os cristãos tenham derivado dos estoicos parte da terminologia da sua teologia do Logos, mas parece que a usaram de sua própria maneira platônica média. Os cristãos também achavam o conceito estoico de um mundo unificado compatível com o deles mesmos, mas é na área da ética que se acham as afinidades mais notáveis. Galeno, o médico-filósofo do século II, forneceu amplo testemunho deste fato quando classificou os cristãos com os filósofos, com base na sua ética, a despeito do fato de não poderem seguir um argumento demonstrativo. Os cristãos, no entanto, tinham opiniões diferentes dos estoicos no tocante ao suicídio, e achavam censuráveis outros ensinos estoicos, inclusive seu materialismo, fatalismo, sua doutrina dos ciclos mundiais intermináveis e a crença na imanência divina total.

Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja CristãBURKE, G. T., “Estoicos, Estoicismo” in Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2009, vol. II, pp. 82-83.

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