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Tomás de Aquino e o livre-arbítrio

Escrito por  Edward Feser
Tomás de Aquino

Nos voltemos agora para a vontade. A primeira coisa a notar sobre ela é que “em cada ser intelectual há vontade, assim como em cada intelecto” (Suma Teológica I.19.1). Sobre a doutrina aristotélica de causas finais, a inclinação ou tendência para um fim se aplica à forma de apetites sensoriais, na medida que animais podem ser movidos para aquilo que eles apreendem através dos sentidos (ST I.81.1). E isto pode tomar a forma daquilo que nós chamamos vontade no caso de seres com intelectos, à medida que eles podem ser movidos para aquilo que eles racionalmente apreendem. Isto é simplesmente o que vontade é segundo Aquino: um poder para atrair para (ou afastar de) aquilo que é apreendido pelo intelecto (Suma Contra Gentios IV.19). (Mais precisamente, é o poder de ser atraído para ou afastado daquilo que é apreendido ser bom ou mau, respectivamente, mas nós iremos esperar até o capítulo 5 para explicar esta qualificação). Segue-se automaticamente que aquilo que falta intelecto (como animais inferiores) não podem ter vontade, livre ou de qualquer tipo.

Agora uma pergunta sugerida por nossa discussão do argumento do movimento no capítulo 3 é se nossa vontade pode ser de fato livre. Pois se Deus é o primeiro motor sustentando todo o movimento ou mudança que ocorre no mundo, isto teria que incluir o movimento ou mudança que resulta de nossos atos voluntários. Mas neste caso, como eles seriam atos livres? O próprio Aquino considera esta questão (Questões disputadas sobre o Mal 6; cf. Suma Teológica I.83.1). Sua resposta é que apesar de Deus mover a vontade, “já que ele move todo tipo de coisa de acordo com a natureza da coisa movida... ele também move a vontade de acordo com sua condição, como indeterminadamente disposta a várias coisas, não de forma necessária” (Questões disputadas sobre o mal 6). Isto quer dizer que a natureza da vontade é estar aberta a várias possíveis fins intelectualmente apreendidos, enquanto que alguma coisa não livre, como um objeto físico ou processo impessoal, é naturalmente determinado para seus fins em uma forma não pensada, necessária. Quando você escolhe tomar café ao invés de chá, você poderia fazer diferente, enquanto que quando a cafeteira esquenta seu café, ela não poderia fazer diferente. Isto é assim porque sua vontade foi a causa de você tomar café, enquanto que algo fora da cafeteira – você ter programado algumas instruções nela na noite anterior, digamos, juntamente com a corrente elétrica fluindo para ela da tomada na parede, as leis da física, e assim continua – foi a causa de seu comportamento. Mas Deus causa os dois eventos de uma maneira consistente com tudo isto, enquanto que ao causar sua livre escolha ele causa algo que opera independentemente do que acontece no mundo à sua volta, enquanto que ao causar a cafeteira esquentar o café ele causa algo que opera somente em virtude do que está acontecendo no mundo em sua volta (a eletricidade, leis da física, etc.). Desta forma Deus causa cada coisa a agir de acordo com sua natureza. Aquino resume sua posição como se segue:

Livre-arbítrio é a causa de seu próprio movimento, porque pelo seu livre-arbítrio o homem move a si mesmo para agir. Mas por necessidade não pertence à liberdade que o que é livre deveria ser a primeira causa de si mesmo, como também para uma coisa ser a causa de outra precisa ela ser a primeira causa. Deus, então, é a primeira causa, Quem move causas tanto naturais quanto voluntárias. E assim como por mover causas naturais Ele não evita que seus atos sejam naturais, por mover causas voluntárias ele não evita que suas ações sejam voluntárias: mas ao invés disto Ele é a própria causa disto neles; pois Ele opera em cada coisa de acordo com sua própria natureza. (Suma Teológica I.83.1)

Como esta passagem indica, para Aquino o que importa para a liberdade é se a causa do comportamento é algo externo no mundo natural (como é para os próprios objetos naturais) ou então a própria vontade de alguém. Que Deus seja a causa última da vontada e da ordem causal natural não mina a liberdade; de fato, isto a faz possível no sentido que assim como nas causas naturais, se escolhas livres não fossem causadas por Deus, elas nem poderiam existir.

Aquinas: A Beginner's Guide (Beginners Guide (Oneworld))Traduzido de Edward Feser, Aquinas, A Beginners Guide, Editora One World, págs.149-151.

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